Não raro, encontramos pais que relatam dificuldades para que seus filhos permaneçam em seus próprios quartos. Alguns explicam que já tentaram de tudo, mas o fulaninho não dorme em seu cômodo. Outros pais esperam que o filho vença suas inseguranças e tome a iniciativa quando estiver pronto. Tem quem assume que é uma delícia dormir todos juntos. Cada família enxerga o fato com suas nuances. E o que nos mostra a Psicologia?
A entrada de um filho promove muitas mudanças na vida de um casal. A família precisa se ampliar para dar espaço ao novo membro. Os pais inauguram os papeis materno e paterno, deixando de ser apenas filhos. Muitos desafios se apresentam frente à desconhecida missão. Não demora surge a pergunta: onde o bebê vai dormir quando vier do hospital? Recomenda-se que, nos primeiros tempos, o pequeno fique num carrinho ou em uma caminha auxiliar, junto dos pais. Nesse momento a mãe está se recuperando do parto e o bebê é um pequeno desconhecido. Os pais precisam conhecer seu filho, seus barulhinhos, saber a hora de mamar ou trocar a fralda. Após conhecerem as demandas do bebê e seu modo de comunicá-las, estarão habilitados para levá-lo ao seu quarto. Não existe um tempo determinado. Geralmente em torno de três meses já é possível fazê-lo. Se for um pouquinho menos ou pouco mais, tudo bem. Mas lembrem que sempre é mais fácil fazer essa transição quando o pequeno ainda não entende bem o que está acontecendo. Quando ocorrem dificuldades nesse processo, será preciso pensar sobre o que pode estar motivando as dificuldades dos pais.
Levantar algumas vezes durante a noite parece ser uma tarefa cada vez mais difícil para alguns pais. Alegam que é frio, que o filho se destapa, ninguém dorme bem, e lá vem o pequeno para a cama dos pais. À medida que as crianças crescem, tal tarefa vira um desafio mais complexo. Sem esquecer que poderão chegar outros filhos, que entrarão na rotina familiar. Não vale resolver a questão com a filha dormindo com o pai e o filho com a mãe. É apenas uma variação do mesmo tema. Nós, adultos, facilmente encontramos desculpas para aquilo que não queremos ou não conseguimos resolver. Precisamos compreender que, em sua grande maioria, filhos dormindo com pais comunicam dificuldades do casal. Por que um casal não pode ficar sozinho? É uma importante reflexão para a manutenção da família. Se equilibrar nos filhos não é uma alternativa saudável.
Sendo assim, fica claro que para retirar os filhos que tardam no quarto dos pais, são os pais que precisam entender a importância desse passo na organização familiar. Cada um em seu quarto, como cada um seu papel. Pais viúvos ou separados, reforcem que as crianças continuem em seus próprios quartos. Claro, é possível fazer uma noite em família de vez em quando, até uma vez por semana. Tendo clara que essa é uma gostosa exceção, mas não deve se tornar a regra. Mas atenção, caso alguma criança demonstre medo ou ansiedade elevada, será necessário ficar alerta. Assim como se alguma criança que já havia conquistado essa autonomia, volte a requisitar a companhia dos pais, por questões emocionais, será indicada a avaliação de um psicólogo.
De um modo geral, se faz necessário entender que dormir sozinho é um degrau na escala de crescimento e desenvolvimento da criança. Serão muitos aprendizados: caminhar, andar, desmamar, retirar fraldas, deixar o bico e a mamadeira, ingressar na escola. Dentre elas, está o dormir em seu quarto. Cada degrau permite maior independência e autonomia. Junto com o dormir no quarto, aos poucos vai se inserindo o organizar seus brinquedos, cadernos, arrumar a cama. Cada vez a criança aprende mais, reforçando a segurança e confiança em si. Infelizmente muitas crianças que seguem dormindo com os pais permanecem infantilizadas, mimadas, ou até resistentes às regras. Ao chegar na escola, no ensino fundamental, não é mais indicado o uso do bico, da mamadeira e da cama dos pais. O ideal é que estas tarefas já estejam antes resolvidas. O aprendizado escolar requer que as crianças estejam maduras para a leitura, o cálculo, os jogos desportivos. Para ganhar e perder. Para superar dificuldades e trabalhar em sua classe sem precisar ajuda para tudo. Não podemos burlar um degrau; ficará um ponto a ser resolvido.
Vamos estimular as crianças a crescerem felizes, serem independentes, seguras, emocionalmente equilibradas. Como pais, precisamos abrir mão do nosso conforto para ajudar cada filho na sua escalada de aprendizagens, de perdas e ganhos. Sejamos mestres, guias, porto seguro, continentes às necessidades dos filhos, separando-as das nossas. Educar é uma tarefa árdua que escolhemos assumir, consciente ou inconscientemente. Pais, pensem nisso com carinho e busquem ajuda se encontrarem dificuldades.
Texto publicado no jornal Gazeta do Sul, julho/20. Ilustração: Matheus Steffens Bartz Instagram: instagram.com/mbartzart
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